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Adoro os anos 80

A juventude de hoje vive um processo inusitado na história: tem saudades daquilo que não conheceu nem viveu, mas sabe como foi e curte. Por quê?
De início, porque vive um quotidiano de grande mutação, que a nada fixa, consolida ou solidifica. Tudo é provisório, do bem de consumo à moradia e ao casamento. Certa necessidade de solidez, pelo menos no que é básico na vida, é importante para o jovem. Protege-o. E o que permaneceu a despeito de mudanças é algo sólido, feito de um material que aplaca no jovem o medo inconsciente ou consciente da transitoriedade e provisoriedade que o cercam.
Também, porque o jovem tem muito presente o nível de agressão e ameaça dos tempos atuais. Como quem adivinha caminhos mais seguros e menos ameaçadores, ele procura em temas do passado alguns conteúdos pacificadores hoje distantes. O jovem percebe a existência - em décadas anteriores - de sentimentos, maneiras de ser, formas de expressar, vivências. Ele percebe que eram tempos de menos loucura, doença, agressão, tensão, terror.
São, portanto, duas formas de saudade diferentes da saudade tradicional, digamos, aquela que se sente por pessoas, músicas, tempos vividos.
Há também, contemporaneamente, uma terceira forma de saudade. A que eu chamo de saudade do recente. É tal a rapidez da mudança e a vertiginosidade do processo de transformação que nos atinge, que vivências recentes ficam logo sepultadas pela avalancha de novidades inerentes ao sistema industrial, sempre a exigir substituições permanentes de tudo. Assim, o que vivemos recentemente fica parecendo tão distante e longínquo como o vivido há muito, muito tempo. Mesmo uma geração ainda jovem já pode ter essa forma de saudade. Com a rapidez da mudança, de alguns anos para cá, há mais coisas sepultadas do que o ocorrido, gasto, feito, acontecido, usado, há quatro ou cinco décadas.
Haveria uma quarta forma de saudade. Chamo-a de "saudade pelo não-vivido". Há vivências, sofrências, pungências, sentimentos, impulsos, momentos adivinhados, absolutamente reais pra a nossa sensibilidade, só que jamais vividos na realidade externa. É a saudade do não-vivido, do apenas adivinhado na vastidão mutante e cortada de ventos imaginosos da sensibilidade humana.
Artur da Távola
Escritor, Poeta Advogado, Jornalista, Radialista e Professor.